domingo, 26 de fevereiro de 2012

Revisão - J. O. Salt Lake City 2002 - Parte 1

Neste mês de Fevereiro de 2012 assinalaram-se os 10 anos dos Jogos Olímpicos de Inverno de Salt Lake City. Os mais atentos de certeza que se recordarão que existiram muitas competições acesas, excelentes resultados financeiros, óptimas audiências televisivas e... imensas polémicas à mistura que vieram a ter um impacto muito significativo na patinagem artística.

Comecemos por colocar as coisas em contexto.
Os Jogos Olímpicos de Salt Lake foram a primeira grande competição mundial após os atentados de 11 de Setembro de 2011. A América sentia-se ferida no seu orgulho e procurava mostrar a sua capacidade de resistência e resposta em todas as áreas, sendo que o desporto não era excepção.

A primeira grande polémica surgiu logo com a atribuição dos Jogos de 2012 a Salt Lake pois os apresentantes da candidatura desta cidade ficaram sob suspeita depois de terem sido descobertos documentos que demonstravam que eles haviam pago a delegados do Comité Olímpico Internacional em troca de votos a favor desta cidade. (Aqui fica um link para um texto do jornal NYTimes: http://www.nytimes.com/2000/05/27/sports/olympics-memo-details-payments-made-to-influence-bids.html?pagewanted=print).
Na patinagem de velocidade, na prova de 1500m, o Kim Dong Sung da Coreia do Sul era o principal favorito à vitória e na corrida chegou mesmo em primeiro lugar. Quando o atleta já festejava o seu primeiro lugar, foi surpreendido pela ordem de disqualificação, tendo a medalha de ouro acabado nas mãos do norte-americano Apolo Anton Ohno. Esta disqualificação sem qualquer razão visivel enfureceu os coreanos e a sua delegação ameaçou abandonar os Jogos Olímpicos.

Mas a parte pior ocorreu na prova de pares em patinagem artistica.
Os pares que dominavam a cena mundial da época eram os russos Berezhnaya & Sikharulidze, os canadianos Salé & Pelletier e os chineses Shen & Zhao.
No programa curto, Berezhnaya & Sikharulidze patinaram de maneira tão perfeita um programa que quer do ponto de vista técnico como artistico era muito dificil. A música de Ennio Morricone inspirou-os para uma prestação belissima no programa curto que é actualmente reconhecido como um dos melhores de sempre.
                                Berezhnaya & Sikharulidze - Programa curto


Os canadianos Salé & Pelletier chegaram a estes jogos olímpicos na qualidade campeões do mundo, título esse que haviam conquistado em casa no ano de 2001, por uma unha negra. Em Salt Lake, a larga maioria do público no pavilhão estava a torcer por eles simplesmente porque eles também eram da América do Norte. O seu programa curto foi elaborado de forma aos patinadores executarem os elementos obrigatórios sem entradas ou saídas que fossem muito complexas, ou seja, a transição entre os elementos é desintegrada. Se repararem bem, antes do triplo loop lançado, os atletas vão directamente de cross - overs, ou seja, a ganhar velocidade de forma simples. Reparem nos pés dos atletas logo depois. Eles não vão a fazer nada de mais e partem logo depois para ganhar velocidade para o triplo toe loop lado a lado, onde a patinadora consegue menos elevação no salto do que ele. Seguidamente, os dois ficam largos momentos apoiados nos dois pés para voltarem a tomar balanço para o duplo twist assistido. A pirueta de par é bem conseguida e integrada com a música mas eles a seguir ficam no mesmo sítio praticamente parados! Logo depois é que seguem para o peão lado a lado. A sequência de passos é banal para patinadores de topo embora tenha sido muito bem executada. Mais uma vez tomam imenso balanço para o elemento de figura de elevação. Na nossa opinião o elemento obrigatório espiral da morte é o que estes atletas executaram de melhor. Só que logo a seguir voltaram a ficar parados até chegar à pose final onde por sinal caem os dois.

                                            Salé & Pelletier - Programa curto

A principal força do par canadiano era, no nosso entender, dar amplitude aos elementos obrigatórios. O problema é que o resto do programa ficou vazio! Ainda por cima, apesar de bem apresentada, a coreografia era banalissima. Os russos para além de dar amplitude aos elementos, integraram-nos com elementos coreográficos. A extensão de pernas da patinadora Elena Berezhnaya é incrivel. O triplo toe loop lado a lado dos russos é feito numa curva e com alguns passos a anteceder, circunstância essa que torna a execução mais dificil. Além disso, o triplo loop lançado é antecido de uma posição de espiral por parte de ambos os patinadores. A recepção do salto pela patinadora é completada por uma posição dos braços e mãos em consonância com a coreografia. Logo depois ambos os atletas avançaram para outras posições sem sequer tomar mais balanço. Seguidamente ao duplo twist assistido, que foi enorme, mais posições sempre em execução de coreografia, tendo os atletas avançado posteriormente para as piruetas lado a lado, saindo delas directamente para passos. A figura de elevação foi muito boa, tendo os patinadores executado imediatamente a sequência de passos sem sequer tomar mais balanço. Esses passos foram bem mais dificeis do que os executados pelos canadianos. Na espiral da morte, a patinadora russa ficou numa posição belissima e original. Finalmente, os russos executaram o peão de par e avançaram depois para a pose final que mais parecia um quadro vivo.

O par russo partiu para o programa livre na primeira posição enquanto que os canadianos se situaram no segundo posto.
Durante o aquecimento antes do programa livre aconteceu um acidente entre Jamie Salé do par canadiano e Berezhnaya & Sikharulidze que adensou ainda mais a rivalidade.

Aqui fica o link para as imagens da colisão: http://www.youtube.com/watch?v=926UKxoOzl8

Programa Livre:
Berezhnaya & Sikharulidze patinaram os seguintes elementos: triplo toe loop lado a lado, combinação lado a lado de duplo axel com duplo toe loop, triplo twist assistido, triplo salchow lançado, espiral da morte com a entrada e a saída muito dificeis, espiral original, sequência de passos, figura de elevação, espiral mais triplo loop lançado, figura de elevação, peão lado a lado logo seguido de peão de par e figura de elevação. Todos os elementos foram intercalados por várias figuras e posições dificeis e integradas numa coreografia sublime. O único problema ocorreu quando Sikharulidze teve uma ligeira oscilação na saída do duplo axel em combinação. Foi esta pequena oscilação que fez despoletar a polémica.
                                Berezhnaya & Sikharulidze - programa livre

Salé & Pelletier optaram por resgatar um programa antigo ao som da banda sonora do famoso filme Love Story. Os elementos que este par executou foram os seguitnes: triplo toe loop lado a lado, figura de elevação, triplo twist assistido, triplo salchow lançado, duplo axel lado a lado, duplo toe loop lado a lado, figura de elevação, peão lado a lado, espiral da morte com entrada muito dificil, triplo loop lançado, espiral, figura de elevação e peão de par. No peão lado a lado, Pelletier não conseguiu centrar bem o seu peão. A expressão, particularmente de Jamie Salé, foi muito boa. No entanto, a coreografia peca por escassa e as criticas que se lhe aplicaram no programa curto transferem-se para aqui. Além disso, se repararem nas figuras de elevação, as do par russo tiveram um grau de dificuldade superior.

                                   Salé & Pelletier - programa livre



Logo no final do seu programa livre se percebeu que os canadianos ficaram absolutamente convencidos que tinham ganho. No entanto, cinco dos juízes atribuiram a vitória ao par russo enquanto os restantes quatro votaram nos canadianos. Por maioria, os russos venceram.
O par canadiano, principalmente Jamie Salé, não se conformou com os resultados e auxiliado pelos comentadores da NBC Sandra Bezic e Scott Hamilton iniciaram uma campanha na comunicação social a criticar a votação. Esses protestos resultaram numa investigação à juiz francesa Marie-Reine Le Gougne. Nunca foi explicado o porquê de só investigarem a juiz francesa quando estavam nove juízes no painel. Le Gougne foi acusada de fazer parte de um esquema para votar no par russo nesta categoria para em troca os franceses Anissina & Peizeral vencerem a prova de dança. Assim, o Comité Olímpico internacional decidiu anular os votos desta juiz no programa livre e mandou fazer uma segunda medalha de ouro para ser entregue ao par canadiano. Le Gougne afirmou mais tarde que tinha de facto sofrido pressões mas sim por parte da Federação Canadiana, tendo sofrido as represálias por não ter cedido e votado em consciência.
Em resultado, a juiz Marie Reine Le Gougne foi suspensa e o presidente da Federação Francesa de patinagem no gelo também foi suspenso.
Na altura, os orgãos de comunicação social generalistas praticamente limitaram-se a seguir a versão da NBC.
Ficaram várias perguntas por responder incluindo por que é que foram ignorados os resultados do programa curto.
Actualmente, em praticamente todos os foruns internacionais de patinagem artistica existe uma larga maioria que considera que o par russo foi o único legitimo vencedor da medalha de ouro.

A polémica na patinagem artistica não se ficou por aqui mas este foi o caso mais grave. A delegação russa chegou inclusivamente a ameaçar abandonar os jogos olimpicos. A repercussão deste caso foi tão grande que a União Internacional de Patinagem decidiu mudar o sistema de votação para competições futuras. Os Jogos Olímpicos de Salt Lake City fotam então os últimos em que se aplicou o sistema de pontuação conhecido por 6.0.

Fim da primeira parte

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